AVENTURAS INESQUECÍVEIS
Meu bairro se chamava e ainda se chama “Jardim Comunitário” (Município de Taboão da Serra, SP). Sou Maria Edileusa de Andrade e me recordo que quando vim morar aqui neste bairro, ele era formado por poucas casas e muitas... muitas árvores.
Faz 19 anos que eu vim morar aqui neste bairro ocorreram algumas mudanças.
Uma dessas mudanças foi a de terem construído uma escola aqui no bairro. Depois disso, começaram a aparecer muitas pessoas neste lugar e num piscar de olhos esse local estava parecendo um formigueiro lotado.
Outra mudança que ocorreu no meu bairro foi a de terem construído fábricas que por um lado foi bom, mas por outro, o fumaça não nos deixava respirar normalmente.
Meu bairro não é o mais limpo, mas também não é o mais sujo!
No meu bairro tinha um pequeno campinho de barro e eu e minhas amigas íamos brincar lá nos finais de semana. Nós nos denominávamos “os piratas do campinho”. Fingíamos que as árvores eram os navios, que o chão era o oceano e que os galhos eram canhões.
Houve uma época que eu e minha família fomos passear em Pernambuco. Voltei pra São Paulo em dois meses e meio, mas quando cheguei no meu bairro o governo já havia destruído o nosso campinho, e como se não fosse pouco, minhas amigas haviam mudado de casa. Eu nunca mais as vi.
Nunca esquecerei delas e das nossas aventuras.
Por Adson de Andrade Lima, 6ª D (finalista das Olimpíadas de Língua Portuguesa da escola Silvia Ap.)
terça-feira, 31 de agosto de 2010
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Poema
SONETO DE FIDELIDADE
Vinicius de Moraes
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinicius de Moraes, "Antologia Poética", Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1960, pág. 96.
Vinicius de Moraes
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinicius de Moraes, "Antologia Poética", Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1960, pág. 96.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Memória Literária
COMO NUM FILME
Não foi difícil cair nas graças de seu Amalfi. Direto, sincero, amoroso,
foi logo falando de sua vida, com um jeito meio solto, especial, como quem
vai montando uma sequência de cenas em nosso pensamento. De início,
estáticas e em preto e branco, e, aos poucos, em impulsos coloridos. Depois
de uma ou outra pergunta, quase nem precisei falar mais nada. Apenas ouvir,
entregar-se à brincadeira da memória era o que bastava.
Ele foi contando, contando e imagens foram se instalando em mim
como quem entra em um filme.
“Esse cheirinho de café pendurado no vento leve conduz a meu tempo
mais antigo.
Pensei ouvir bem baixinho um fiapo de uma canção napolitana e
tudo veio à tona. Logo lembrei-me de minha mãe torrando café, fazendo
o pão, a macarronada. Bem que procuro não pensar muito para não
marejar os olhos.
O começo de tudo foi na Itália. De lá vieram meus pais. Fugidos do
horror da guerra, acabaram por fazer a vida aqui em São Paulo, onde
nasci.
É a partir dessas lembranças que minha cabeça parece uma máquina de
fabricar filmes.
Recordo muita coisa. Não só do que minha mãe contava, mais ainda
das que eu vivi.
Lá pelos idos de 1929, com cerca de sete anos de idade, era menino
feito. Minha vida era um misto de cowboy com Tarzan. Onde hoje fica o
Shopping Center Norte era só mato, água e muita, muita terra. Era lá meu
paraíso. Meu e dos meus amigos: o Vitorino, o Zacarias... Vivia para jogar
futebol, nadar, pescar e caçar passarinhos.
Uma brincadeira de que gostávamos muito era ‘chocar o trem’. Sabe o
que é isso?
Era subir rapidinho no trem em movimento. Ele andava bem devagar, é
claro, levando pedras da Serra da Cantareira para construir a cidade. Com
o tempo seu trajeto se encheu de bairros: Tucuruvi, Jaçanã, Vila Mazzei,
Água Fria e mais o que há agora. Lembra aquela música do Adoniran? Tem
a ver com esse trem...
Da escola eu não gostava tanto. Não era um bom aluno, mas era esperto,
vivido. Isso sim. O que acabava ajudando em muitas situações... Em um
abrir e fechar dos olhos da memória lá estão a escola, o corre-corre das
crianças e todos eles, intactos e em plena labuta do dia: Dona Albertina,
Dona Isabel, Seu Luís, os professores. Ainda o Seu Peter, o diretor, e Seu
Luigi, o servente. Quantas vezes em meio à cópia da lousa, que seguia plena
em silêncio e dever, disparava um piscar enviesado para meus companheiros
de time. Quebrávamos as pontas dos lápis e com o descaramento e a
falsa pretensão de deixarmos todos eles apontadinhos para a letra ficar
bem desenhada e bem bonita nas nossas brochuras, lá íamos nós, atrás da
porta e com a gilette em punho, armar em cochichos a melhor estratégia
para o próximo jogo. Tudo lorota!
Meio moleque, meio mocinho, sempre dava algum jeito de arranjar um
dinheirinho para ir à Voluntários, uma das poucas ruas calçadas do bairro,
nas matinês do cine Orion.
Meu figurino era feito por minha mãe: uma camisa clara, bem limpa e
passadinha com ferro de brasa. Com meus colegas ia ver o que estava em
cartaz. Bangue-bangue era o melhor. Lembro-me do Buck Jones, do Rin
Tin Tin, do Roy Rogers e mais uma porção daqueles bambas do momento.
Também me recordo do cine Vogue e de Seu Carvalho, seu dono e
operador, que, ao constatar a enorme fila na bilheteria, dizia para nós,
garotos, com certo orgulho solene, só haver lugares em pé. Entrávamos
mesmo assim. Depois de alguns minutos já tínhamos nossos lugares escolhidos
e... sentados. No escurinho do filme começado, queimávamos
um barbante malcheiroso que fazia todo mundo desaparecer de nosso
lugar preferido. Comédia pura, não é?
Nesse ponto, interrompa a leitura e pergunte aos alunos o
que imaginam que acontecerá ao sr. Amalfi. Como acham
que a história dele continua. Ouça alguns alunos, registre
as opiniões deles e depois retome a leitura, até o final.
Com o passar dos anos, veio o tempo do trabalho para valer. De aprendiz
de químico tornei-me o titular na fábrica de perfumes dos libaneses. Fiz
de tudo lá: brilhantina, rouge, pó de arroz, produtos muito usados na época.
Veio também o tempo do namoro sério e, com ele, o cinema com sorvete a
dois. Minha vida era um filme de aventuras, mais que outra coisa. Tive de
vencer muitos obstáculos. E foi um bom tempo assim.
Construir uma família não é fácil, mas, como se sabe, o amor sempre
vence.
Como nos filmes de amor, acabei me casando em technicolor e em cinemascope,
como um galã, com minha Mercedes, mais bonita que Greta Garbo ou
qualquer outra estrela de Hollywood. Com ela comecei a frequentar o centro
de São Paulo. Íamos de bonde elétrico, descíamos na Praça do Correio e
andávamos de braços dados pelos pontos mais elegantes da cidade.
Misturados aos carros que pertenciam a gente muito rica, estavam os
cabriolés,
uma espécie de carroça puxada a cavalos... Na Avenida São João
estavam os melhores cinemas: o Marabá, o Olido, com seus camarotes e frisas.
Quantos filmes! O Canal de Suez, O Morro dos Ventos Uivantes, E o Vento
Levou!
Vejo-nos direitinho, como em um musical, indo para a cidade de bonde.
O condutor, o Delmiro, mais parecia um bailarino, um Fred Astaire tropical,
por conta dos trejeitos, malabarismos de corpo que fazia ao parar, descer,
cumprimentar, receber as pessoas, acomodá-las e, enfim, conduzir o bonde.
Era mais que um motorneiro. Esse era um show à parte!
Se bem me lembro, o cinema me acompanhou a vida inteira. Isso porque
sou do tempo do cinema mudo, veja você, onde os violinos e o piano faziam
nossa imaginação ouvir as vozes e sentir as emoções dos artistas que passavam
rápidos nas telas. Depois veio o cinema falado e para nós isso era a
maior e a melhor invenção. Olhando para o que se passou, constato que fui
um bom frequentador das telas. Com chuva ou com sol!
Até nossa primeira filha, com poucos meses de idade, não impedia nossa
diversão preferida! Era nossa figurante proibida. Íamos ao Bom Retiro, ao
cine Lux. Lá eu conhecia todo mundo e sentávamos com a menina nos braços
bem na última fila, caso precisássemos sair às pressas para acalmar um
choro repentino. Assistimos a tantas histórias e nossa menina dormia profundamente.
Quase sempre.
Talvez por conta do trabalho, das exigências da vida, dos cuidados
com a família e mesmo com a facilidade da televisão, acabei me dando
conta de que fiquei muito tempo sem ir ao cinema. Engraçado, agora que
estou praticamente sozinho, em consequência das perdas que a vida nos
traz, o cinema volta com toda a força. Não perco quase nada do que passanos
shoppings perto de casa. Tudo é mais confortável, imenso. Mas tudo é
mais barulhento, apressado e real demais. Não sobra muito tempo para
sonharmos.
Mesmo assim, quero ir a outros cinemas desta cidade que cresceu e
cresce tanto. O jeito é me armar de um celular para que minha filha não
fique tão preocupada comigo por causa dessas minhas novas aventuras
cinematográficas.”
Quando releio o que está escrito, não sei onde está o que o seu Amalfi me
contou e onde está o que projetei de sua vida em mim. Engraçado mesmo!
Perdi-me nos labirintos da imaginação, onde o presente e o passado se fundem
em um só desenho. A memória brinca com o tempo, como em um filme,
como uma criança feliz.
Antonio Gil Neto. Texto escrito com base no depoimento do sr. Amalfi Mansutti, de 82 anos.
sexta-feira, 11 de junho de 2010
Livros e leituras
"Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história."
Bill Gates
(poeminha do prazer)
O sumo prazer humano
Sente o ser que é seduzido
Não apenas pela leitura
Mas, sobretudo, pelo livro
Porque o livro é o corpo
E a leitura, o espírito..."
Bruno Bezerra
sexta-feira, 4 de junho de 2010
Trailer de Fúria de Titãs - legendado
Quem ñ assistiu ainda, veja o trailer e corra ao cine mais próximo para ver todo o filme, pois ele é tudo de bom...
quarta-feira, 26 de maio de 2010
O VALETÃO QUE ENGOLIA MENINOS E OUTRAS HISTÓRIAS DE PAJÉ
Já foram escritas muitas histórias da época em que os meninos engraxates eram engolidos pelo valetão da Rua Sete de Setembro. Mas nenhuma delas conta esta ou outras histórias de Pajé. Guardo-as dentro do peito, como boas lembranças da rua onde vivi e que teimam em se misturar com a história da cidade.
Nascemos juntos: eu, a rua e essas histórias. Somos uma coisa só, mas nós não estamos nos livros. Estamos na contramão, por isso me atrapalho com as palavras. Às vezes falta ar, outras o ar é demais, então o meu coração acelera, o nó na garganta avisa: o menino Pajé vai acordar!
Hoje, quem não conhece a Rua Sete de Setembro é porque não conhece minha cidade — Toledo. Apertada entre outras no extremo oeste paranaense, bem pertinho do Paraguai, surgiu de uma clareira no meio da mata.
Naquele tempo, uma clareira; hoje, Rua Sete de Setembro. Essa rua foi crescendo e acolhendo o progresso que tenta esconder e aprisionar as histórias de Pajé. Elas estão descansando embaixo do calçamento, dos asfaltos, dos prédios, das casas. Basta um sinal que elas voltam.
Cheiro de terra molhada — esse era o sinal. E, ainda hoje, sinto esse cheiro entrando no meu cérebro e mexendo com o meu coração. Naquele tempo bastava sentir o cheiro de terra molhada para que nós, os meninos engraxates, escondêssemos nossas engraxadeiras — caixa de madeira em que se guardava o material necessário para engraxar sapatos — no porão dos fundos da bodega do Pizetta e, como garotos matreiros, saíssemos de mansinho, sem despertar curiosidade. Corríamos lá embaixo, no começo da rua que embicava no meio da mata, pois o mistério ia começar!
A chuva caía e formava muita enxurrada que, com sua força, trazia a terra misturada. Parecia uma cascata de chocolate que despencava no valetão — buraco muito profundo provocado pelas enxurradas, erosão. A água fresquinha que caía do céu misturava com a terra quente e provocava o mistério. Nós éramos puxados para dentro daquele enorme buraco por uma força estranha sem dó. Mesmo os que não queriam não conseguiam resistir, porque a magia era muito forte e, em poucos segundos, estávamos lá dentro, na garganta do valetão, onde brincávamos durante horas. Nessas horas o trabalho era esquecido.
Quando eu era menino, trabalhava muito. Todos os dias de manhã ia à escola e, ao retornar, mal acabava de almoçar, pegava a engraxadeira, colocava nas costas para a rua, quer dizer, para o trabalho. A engraxadeira era muito grande e pesada para meu tamanho — eu era apenas um garoto! Mas era a única forma de ajudar minha mãe no sustento da família.
Sentia como se estivesse carregando o mundo sozinho. Hoje sou adulto e sei que aquela magia era fruto de nossa fantástica imaginação. Como qualquer outro menino, o engraxate também tinha direito de brincar. Uma das poucas vezes em que podíamos fazer isso era quando chovia. Mesmo que depois nos custasse castigos e surras.
Atualmente, as brincadeiras, comparadas com as de meu tempo, são muito diferentes. Hoje, os heróis são Superman, Batman, Homem-Aranha. Antes tínhamos heróis indígenas, com suas histórias cheias de mistérios das florestas.
Naquele tempo, quando chovia, o valetão da Rua Sete de Setembro era nosso mundo fantástico. Além das divertidas brincadeiras no lamaçal que escorria da rua, fazíamos cabanas no paredão da erosão, guerrilhas com bodoque, usando sementes de árvores como cinamomo e mamona.
Quando não chovia, sobrava tempo para brincar só aos domingos. Então, eu — Pajé — e minha turma nos reuníamos na mata, que se misturava com o terreiro das casas. Nele, construíamos cabanas, arcos, flechas, tacapes. Pintávamos o corpo todo com barro e frutinhas da mata. Assim, sentindo-nos como heróis, brincávamos de índios guerreiros, até o sol se esconder.
Nossa vida se enchia dos poderes que vinham da mata e seguia solta, como passarinho. O fim da história? Não sei não, porque eu ainda vivo. E enquanto eu viver as lembranças nunca vão terminar.
Kelli Carolina Bassani, aluna finalista da 3ª- edição do Prêmio Escrevendo o Futuro em 2006, 4ªª- série da E.M.E.I.E.F. Walter Fontana, Toledo – PR.
Nascemos juntos: eu, a rua e essas histórias. Somos uma coisa só, mas nós não estamos nos livros. Estamos na contramão, por isso me atrapalho com as palavras. Às vezes falta ar, outras o ar é demais, então o meu coração acelera, o nó na garganta avisa: o menino Pajé vai acordar!
Hoje, quem não conhece a Rua Sete de Setembro é porque não conhece minha cidade — Toledo. Apertada entre outras no extremo oeste paranaense, bem pertinho do Paraguai, surgiu de uma clareira no meio da mata.
Naquele tempo, uma clareira; hoje, Rua Sete de Setembro. Essa rua foi crescendo e acolhendo o progresso que tenta esconder e aprisionar as histórias de Pajé. Elas estão descansando embaixo do calçamento, dos asfaltos, dos prédios, das casas. Basta um sinal que elas voltam.
Cheiro de terra molhada — esse era o sinal. E, ainda hoje, sinto esse cheiro entrando no meu cérebro e mexendo com o meu coração. Naquele tempo bastava sentir o cheiro de terra molhada para que nós, os meninos engraxates, escondêssemos nossas engraxadeiras — caixa de madeira em que se guardava o material necessário para engraxar sapatos — no porão dos fundos da bodega do Pizetta e, como garotos matreiros, saíssemos de mansinho, sem despertar curiosidade. Corríamos lá embaixo, no começo da rua que embicava no meio da mata, pois o mistério ia começar!
A chuva caía e formava muita enxurrada que, com sua força, trazia a terra misturada. Parecia uma cascata de chocolate que despencava no valetão — buraco muito profundo provocado pelas enxurradas, erosão. A água fresquinha que caía do céu misturava com a terra quente e provocava o mistério. Nós éramos puxados para dentro daquele enorme buraco por uma força estranha sem dó. Mesmo os que não queriam não conseguiam resistir, porque a magia era muito forte e, em poucos segundos, estávamos lá dentro, na garganta do valetão, onde brincávamos durante horas. Nessas horas o trabalho era esquecido.
Quando eu era menino, trabalhava muito. Todos os dias de manhã ia à escola e, ao retornar, mal acabava de almoçar, pegava a engraxadeira, colocava nas costas para a rua, quer dizer, para o trabalho. A engraxadeira era muito grande e pesada para meu tamanho — eu era apenas um garoto! Mas era a única forma de ajudar minha mãe no sustento da família.
Sentia como se estivesse carregando o mundo sozinho. Hoje sou adulto e sei que aquela magia era fruto de nossa fantástica imaginação. Como qualquer outro menino, o engraxate também tinha direito de brincar. Uma das poucas vezes em que podíamos fazer isso era quando chovia. Mesmo que depois nos custasse castigos e surras.
Atualmente, as brincadeiras, comparadas com as de meu tempo, são muito diferentes. Hoje, os heróis são Superman, Batman, Homem-Aranha. Antes tínhamos heróis indígenas, com suas histórias cheias de mistérios das florestas.
Naquele tempo, quando chovia, o valetão da Rua Sete de Setembro era nosso mundo fantástico. Além das divertidas brincadeiras no lamaçal que escorria da rua, fazíamos cabanas no paredão da erosão, guerrilhas com bodoque, usando sementes de árvores como cinamomo e mamona.
Quando não chovia, sobrava tempo para brincar só aos domingos. Então, eu — Pajé — e minha turma nos reuníamos na mata, que se misturava com o terreiro das casas. Nele, construíamos cabanas, arcos, flechas, tacapes. Pintávamos o corpo todo com barro e frutinhas da mata. Assim, sentindo-nos como heróis, brincávamos de índios guerreiros, até o sol se esconder.
Nossa vida se enchia dos poderes que vinham da mata e seguia solta, como passarinho. O fim da história? Não sei não, porque eu ainda vivo. E enquanto eu viver as lembranças nunca vão terminar.
Kelli Carolina Bassani, aluna finalista da 3ª- edição do Prêmio Escrevendo o Futuro em 2006, 4ªª- série da E.M.E.I.E.F. Walter Fontana, Toledo – PR.
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